VERONA -Dia I
- Bruna Gonzaga
- 10 de abr.
- 4 min de leitura
Por Bruna Gonzaga
− São dois.
− Definitivamente são dois, mas continua sendo ruim.
− Não é ruim, é ótimo!
− Ótimo seria nenhum, Maya. Dois é no máximo melhor que três.
− Ou onze.
− Por que onze? Por que um número tão específico quanto onze?
Os dois filhotes de gato se mexiam cegamente dentro da caixa enquanto Dora, a mãe, olhava para Rafa e Maya com olhar que dizia basicamente: “Estou arrependida, por favor, leve esses bebês daqui!”.
Enquanto os dois olhavam pensativamente decidindo o que fazer com os gatinhos, podiam ouvir atrás deles o início dos sons já familiares do bar começando a se preparar para mais uma noite em funcionamento.
O som ambiente tocando Tim Maia acompanhado pelo cantarolar de Helena, a dona do bar, ainda que hoje ela soasse um pouco melancólica. Ao mesmo tempo, enquanto todos começavam as atividades, o cheiro de cebola e alho começando a surgir da cozinha, deixando tudo com o aroma confortável de uma casa onde alguém preparava uma refeição quentinha. O clac-clac feito pelas cadeiras de madeira sendo abertas e colocadas no chão uma a uma, o tilintar familiar das garrafas se encostando ao serem colocadas no freezer.
As onomatopeias de mais uma noite comum.
A paz foi interrompida pela voz estrondosa de Sarah reverberando no espaço todo.
- Rafael, eu já falei que você não pode se esconder aqui no fundo pra não trabalhar!!! – Sarah entrou gritando e sua voz ressoou no pequeno quintal a céu aberto que servia também como “depósito de tudo que não tem lugar” no bar.
Sarah era sempre assim, impulsiva, barulhenta, estrondosa. Era um caso daqueles em que a aparência exterior combinava perfeitamente com o interior. Com tatuagens old school e um volumoso cabelo preto cacheado, Sarah ocupava espaços, quer esses espaços tivessem sido cedidos ou conquistados a cotoveladas, ela estava sempre onde achava que merecia estar. Foi essa confiança que a levou à gerência do bar. Helena confiava nela e, pra dizer a verdade, todo mundo que a conhecia acabava confiando também.
Foi por causa desse grito que mais parecia um trovão caindo próximo demais do seu telhado, que Rafa acabou se assustando de tal forma que o susto quase resultou em um tombo dele e de Maya.
- Pelo amor de Deus, Sarah! – Ele disse com a mão no peito. – Eu sou só feio, não sou surdo, não precisa gritar. E eu não estou escondido, estou AJUDANDO.
- Você está ajudando QUEM a fazer O QUÊ exatamente? – Sarah já estava de braço cruzado. – Ah, Maya, então você também tá por aqui. O que é isso? A reunião do sindicato?
- Fui eu, Sarah... Bom, na verdade não eu... – Maya deu um passinho para o lado deixando a caixa às suas costas finalmente visível para Sarah – Foi a Dora. Ela estava sumida há dias, Sarah! E agora ela tem bebês!!!
Sarah sabia que Dora ia ter filhotes em breve, não era idiota, todos no bar tinham visto a gata arrastando o barrigão por aí nas últimas semanas, então não é como se ela estivesse exatamente surpresa. Ela só não esperava que esse problema também fosse entrar para a lista de coisas que ela teria que resolver.
- Ah, então a hora chegou. Mas eles não são recém nascidos, já estão grandinhos! – Sarah comentou num suspiro que ia do desânimo à resignação.
- Ela devia estar com eles escondidos em algum lugar.
– A gente vê isso depois. – Ela gesticulou para Rafa e Maya – Enquanto isso, vocês dois, lá pra frente, ao trabalho. – Dando duas palminhas rápidas, Sarah colocou Maya e Rafa para dentro do bar e decidiu que depois se encarregaria dos gatos.
Helena nunca era rude. Era doce mesmo quando estava triste ou zangada. Era complacente até demais com os erros dos outros e talvez por ter sido professora por anos, era sempre didática no jeito de corrigir ou ensinar quem quer que fosse, mas nunca sendo condescendente. Helena respeitava limites e ouvia histórias, acolhia erros e falhas e era um suporte para todos perto de si. Divorciada a pelo menos vinte anos, tinha vivido sozinha com seu filho Dante até o ano passado, quando ele se mudara para a Europa para terminar os estudos.
Helena transbordava ternura e calor materno, mas hoje, sua chama parecia prestes a se apagar e quando uma pessoa tão iluminada quanto ela estava mal, o ambiente inteiro parecia mais escuro.
- Ian, coloca “Azul da cor do mar” de novo? – Helena pediu sem se virar efetivamente para Ian, balançando apenas levemente o braço em sua direção, enquanto ele secava os copos e colocava na posição para serem usados mais tarde.
Ian colocou a música que irrompeu no ar, e apesar de não ter feito nenhum protesto, manifestou sua desaprovação levantando as sobrancelhas na direção de Sarah, que entrava novamente no espaço do bar, escoltando Rafa e Maya que vinham do quintal com o andar arrastado.
- Azul da cor do mar pela terceira vez? Alguém morreu? – Sarah perguntou sem dirigir a pergunta a ninguém especificamente, mas esperando que Helena respondesse.
Helena apenas balançou a mão no ar, como que para responder e afastar a pergunta ao mesmo tempo.
Sarah se sentou ao lado de Helena no sofá recostado perto do bar de drinks. Nesse lugar, Ian passava a noite toda fazendo drinks e seduzindo ora sem querer, ora deliberadamente homens e mulheres desavisados com seu olhar noturno e meio sorriso calculadamente dado poucas vezes a cada noite. Quando não havia DJ, ele também era responsável por comandar o som. O sofá abrigava clientes exaustos de dançar na pista que ficava logo à frente quando o bar estava efervescendo todas as noites, ao fim da noite, às vezes servia como cama para bêbados, mas naquele momento, era apenas o repouso pra tristeza de Helena.
Amizade muitas vezes é se comunicar sem ter que verbalizar o que sente. Sarah e Helena eram amigas há anos, além de trabalharem juntas, elas também passavam muito tempo juntas fora do bar, principalmente desde que Dante tinha ido embora.
- Dia ruim? – Sarah perguntou com a voz baixa.
- Nada especial, só acordei me sentindo sozinha. – Helena parecia perdida em pensamentos.
- Eu estou sempre por aqui.
- Eu sei, meu bem. Mas às vezes eu sinto falta de companhia e você precisa viver sua vida, não pode passar a vida ocupada comigo.
- Não é como se fosse um peso. – Sarah abaixou os olhos.
- Eu sei, eu sei. – Ela deu dois tapinhas de leve na mão de Sarah, um pouco com quem diz “está tudo bem” e ao mesmo tempo diz “não está, mas vai passar”.
Esperando o próximo capítulo ❤️
Que leitura deliciosa!
Aguardando ansiosamente pro próximo. Tu é demais!
Escrita leve, fluida e cheia de detalhes. Ansiosa para conhecer e acompanhar esses personagem. Bruna, você é a MAIOR!!!
Eu literalmente me vi e me senti dentro do Verona agora! Ansiosa pelo próximo capítulo.
Ja estou amando os personagens, e curiosa com o resto da história! Maya assim como eu resgatando bichos na rua kkkk