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VERONA - DIA I - Parte 2

  • Foto do escritor: Bruna Gonzaga
    Bruna Gonzaga
  • 15 de abr.
  • 6 min de leitura



Jorge era criativo, impetuoso e teimoso.

Helena amava a comida que ele fazia, respeitava as sugestões dele e acatava as mudanças. Os dois se conheceram quando Jorge ainda era um aluno na universidade em que Helena ministrava aula e por vezes dava uma passadinha na faculdade de gastronomia para provar pratos. Quando voltou do ano sabático de viagens pelo mundo, Helena sabia quem procurar para assumir a cozinha do bar (à época ainda sem nome). No dia, Jorge tinha acabado de pedir demissão da cozinha de um grande chef, alguns diriam que foi conflito de ego, Jorge ainda insiste que o homem era um porco chauvinista.

Para a sorte de ambos, Helena estava disposta a pagar bastante para que Jorge assumisse integralmente a cozinha do Verona.

-   Não é um BAR, Jorge. É uma experiência. Um lugar pra fugir E se sentir em casa, simultaneamente. – Helena tinha os olhos brilhando enquanto falava, Jorge devorava as palavras dela como se fossem adocicadas.

-  Eu quero liberdade, Helena! Quero poder testar...

-  Você tem minha palavra.

-  E quero um bom salário, sou um homem entusiasmado, mas não sou idiota.

-  Tem a minha palavra quanto a isso também. Não sou uma exploradora.

-  Pedir um ajudante é demais?

-  Detalhes. Vamos nos acertando.

Com um aperto de mãos e um gole de cerveja, os dois selaram a parceria que ainda está de pé, firme como sempre.

O movimento no Verona de modo geral começava no final da tarde, o pôr do sol anunciava quase todos os dias o início da chegada dos clientes (exceto segunda-feira, quando o bar não abria “afinal, ninguém aqui é escravo” nas palavras de Helena). Em um dia comum, o Verona abria mesas na calçada e tinha a pista de dança interna quase vazia, aos finais de semana a pista recebia DJ’s convidados e havia gente dançando e se divertindo para além do habitual.

Nesta quinta-feira, quando o movimento começou, Helena ainda não estava totalmente recuperada das repetições de Azul da cor do mar e ainda parecia meio melancólica. A falta de Dante parecia ter apagado algo nela, muito mais do que quando ela terminou seu casamento. O ex marido de Helena era um cara ótimo, um marido difícil, mas um bom amigo, que ela ainda conservava. Os primeiros clientes chegaram e sentaram se acomodaram em uma mesa na área aberta do bar, de lá era possível ver o pôr-do-sol, era sempre a primeira mesa ocupada e ficava na área da Maya.

-    Eu tenho a pior área, trabalho mais que vocês, sempre. – essa reclamação era comum, mas não era justa, ela acabava ficando sempre com a maior parte da gorjeta, todos concordavam que era o correto.

-      O proletário competente é sempre premiado com mais trabalho. – Rafa disse ao passar ao lado dela, já com uma garrafa em uma das mãos, prestes a servir sua primeira mesa do dia.

-   Sem rebelião, pessoal, ainda estamos no começo do expediente. – Sarah disse com ironia, mas com um pouco de seriedade também.

As mesas iam se preenchendo lentamente, pessoas diferentes, tipos diferentes, formações diferentes de grupos sociais... clientes que se repetiam e que nunca tinham frequentado a casa, clientes que passavam por ali toda semana, para comer uma das especialidades da cozinha do Jorge.

Quando alguém aparecia pela segunda ou terceira vez, de modo geral, eles se lembravam. Por isso não passou desapercebida a presença de um homem grisalho que estava lá pela terceira vez naquela semana. Sempre chegando cedo, saindo tarde, olhar perdido.

-  Um negroni, por favor. – O homem pediu levantando a voz um pouco acima da música que chegava de forma bem mais tímida no canto onde estava a mesa que ele escolheu.


-   Claro. Algo pra comer? – Maya seguiu o padrão de atendimento, ela sorria, mas não muito. Quando você é garçonete, aprende que a linha que separa um homem educado de alguém que vai passar a mão na sua bunda quando você der as costas é muito, muito tênue.

-  Não, só o negroni por agora, obrigado.

O homem se fechou novamente em si, tinha sido assim todos os dias. Ele bebia 5 negronis, ficava um pouco bêbado, comia algo e ia embora.

-  Qual é a do cara? – Ian perguntou enquanto começava o preparo do negroni.

-    Eu não sei, acho que é só um cara de meia idade solitário. Acho que é comum acontecer, não é? Ficar mais solitário nessa idade... sei lá. – Maya era só uma garota, tinha encontrado poucos dos problemas da vida. Tinha vivido com os pais a vida toda, tinha uma irmã mais velha e estava no primeiro ano de jornalismo. Ela era uma boa menina, mas ainda era isso, uma menina.

-  Não ficamos solitários, ficamos seletivos. – Helena ainda estava no sofá, com um drink na mão e parecendo pensativa. – Com o tempo as companhias precisam ser melhores, porque, de modo geral, lidamos melhor com o fardo que é ser o que se é. Não vale a pena estar com alguém só por estar, porque nos bastamos.

Ian apenas concordou sacudindo a cabeça e tentou entregar o negroni para Maya, que pediu desculpas falando que voltaria logo. O movimento do bar estava constante, mas tranquilo e Maya estava aproveitando a noite para dar uma olhadinha na caixa com Dora e os filhotes de tempos em tempos. Agora, Dora estava em cima de uma cadeira, enquanto os gatinhos se batiam na caixa com os olhinhos fechados. Ela não resistiu e colocou os filhotes no bolso externo do moletom, esperando que ninguém notasse e voltou para o atendimento.

-   Seu drink. – Ela deixou o copo na mesa e se movimentou de forma estranha, o que gerou curiosidade no homem.

-  Tudo bem por aí? – Ele levantou os olhos pra ela.

-  Tudo. – Um dos gatinhos colocou a cabeça pra fora do bolso.

-  Acho que seu bichinho quer fugir.

-  Ah meu Deus, a Sarah vai me comer viva. Não conta pra ela, moço?

-   É Otávio. E não, não conto. Mesmo porque eu não poderia... – ele abaixou o tom de voz - não sei quem é Sarah.

-   Valeus. – Maya saiu andando empurrando os gatinhos pro bolso tentando esconde- los pelo menos até chegar nos fundos do bar.

Enquanto passava como um raio pelo meio do bar, Maya não passou incólume pelo olhar de Sarah, mas havia coisas mais importantes a fazer, bêbados para controlar, funcionários a gerenciar, compras de última hora da cozinha do Jorge a serem feitas e Helena... a tristeza de Helena. Dois gatos eram o menor desses problemas, literalmente.

Duas ou três mulheres tentaram se jogar para Ian, ele ignorou, como sempre. Seu meio sorriso enigmático deixava mais de uma interpretação para as clientes, mas ao que parecia, seu relacionamento instável com Laila estava em um dos altos. Todo mundo sabia que uma hora ou outra os baixos voltariam, então nunca dava pra saber se Ian sairia dali com alguém ou se se mais uma vez seria evasivo às investidas de desavisados.

Ele fez mais um negroni para o grisalho enigmático e colocou sobre o balcão e voltou a sua atenção para o celular. Provavelmente falando com Laila, que não tinha vindo trabalhar hoje sabe-se lá porque. Maya provavelmente estava entretida nos fundos, porque nunca aparecia para levar o copo cheio da bebida amarga e avermelhada para a mesa e, sem ninguém por perto, a missão sobrou para Helena, porque ela poderia ser a dona, mas não ia ficar sentada no sofá enquanto o drink de um cliente esquentava no balcão.

-   Oi! Seu drink. – Helena serviu com simpatia o drink para uma nuca grisalha, já que o homem estava de cabeça baixa.

Quando ele levantou a cabeça devagar, Helena pôde ver que ele tinha os olhos injetados, mas não por raiva ou algo assim, eram os olhos de quem tinha acabado de secar um bom punhado de lágrimas.


-  Está tudo bem? Eu posso te ajudar em algo?

-   Ou faz muito tempo que eu estou aqui e você, Maya, envelheceu muito bem ou a Maya arrumou coisa melhor pra fazer. – Ele deu um sorriso triste, que Helena retribuiu.

-   Eu realmente acho que Maya não parecerá comigo independente do tempo passado, talvez independente de encarnações. – Helena riu novamente e também foi retribuída.

-  Otávio. – Ele estendeu a mão.

-  Helena. É um prazer te ter aqui. – Helena apertou a mão dele e se demorou um pouco mais do que o necessário com a mão sobre a dele.

-  Você é a dona do bar?

-   Sou. – Ela direcionou os olhos para o movimento que acontecia no bar no momento. Era metade da noite ainda, muita gente tinha chegado a pouco tempo e havia ainda a efervescência da animação em que as pessoas estão inebriadas, mas não bêbadas. Existia sempre essa energia, esses sons no ar, essas risadas, as opiniões reverberadas e defendidas de forma efusiva. Gente se divertindo, relacionamentos começando, naquela hora tudo ressoava e Helena teve orgulho do que viu, e também do que ouviu, porque começava a tocar Tim Maia de novo.

-  Posso te oferecer um lugar no seu próprio bar, Helena? – Otávio puxou a cadeira.

-  Pode, mas te acompanho apenas na conversa. Nada de drinks pra mim.

-  É uma pena, seu garoto ali faz ótimos negronis.

-   Ele é um talento. Instável como todo jovem, mas vai longe, sei que vou perde-lo em breve. Ian.

-   É normal, não é? Que jovens se distanciem de suas origens? Meu filho pelo menos acha que sim.

-  Nem me fale, é a história da minha vida.

-  Filhos longe?

-  Filho. Dante... Estudando na Europa no momento. E você?

-   Filhos, nada espirituoso como Dante. – ele levou o negroni aos lábios, o que exigiu uma pausa e levou Helena a olhar nos olhos tristes dele novamente – Gabriela e Carlos. A Gabi se casou, o Carlos foi embora morar sozinho... eu tinha a mãe deles até que... – outro gole no negroni.

-  Divórcio?

-  Câncer.

-   Me desculpa. Fui totalmente inadequada. Eu sinto muito. – Helena se desculpou e ajeitou os óculos como fazia quando estava constrangida.

-   Tudo bem, já tem um tempo, mas em alguns dias... às vezes semanas, fica tudo mais

pesado.

-  Entendo mais do que gostaria.

 
 
 

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